quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Considerações Éticas Sobre o Aborto

A legislação brasileira determina que o aborto, salvo exceções bem explícitas, é crime. Entretanto, o que se discute não é se é crime ou não, mas sim se é justo ou não praticar um aborto; e ou em que circunstancia, ele, o aborto, pode ser praticado sem angustias éticas.
Assim, a fim de que não se diga qualquer coisa, é fundamental que se pergunte se a questão do aborto se restringe a ele. A resposta a esta pergunta certamente nos remete para uma questão anterior ao aborto, que tem a ver com a sexualidade e com as relações sexuais — de onde pode proceder a gestação indesejada.
Em minha maneira de ver a discussão sobre o aborto deve ser precedida pela discussão sobre a pratica sexual responsável e consciente. Dessa forma, se deveria dizer que assim como a proliferação da Aids teve, tem, e ainda precisa ter e manter suas campanhas de conscientização acerca do uso de preservativos, com a finalidade de que pessoas não morram em razão de não se protegerem quanto a contraírem o vírus numa relação sexual — do mesmo modo se deveria fazer com respeito a conscientizar as pessoas quanto ao fato que se é necessário haver auto-preservação em relação à Aids, assim também deve haver com referencia ao aborto. Pois se proteger alguém do contagio do vírus que provoca a Aids é importante, com maior razão se deveria também tratar a questão da gravidez indesejada ou inviável. Afinal, se vale o cuidado para proteger alguém da morte no caso da Aids, assim também vale todo cuidado quanto a ajudar as pessoas a não terem que ter o conflito ético criado pela questão do aborto, e, também quanto a não terem que tirar a vida — esteja ela em que estágio estiver — pela pratica do aborto.
Entretanto, mesmo a mais intensa campanha de conscientização não impede que haja casos para os quais o aborto passa a ser uma alternativa. Por esta razão considero os seguintes aspectos sobre a pratica do aborto.

Primeiro: A gravidez indesejada deve ser evitada a todo custo. Pois, tal procedimento é o melhor agente preventivo — tanto da angustia do aborto para quem o pratica, como também porque, por tal meio, se evita que se tenha que chegar a tal situação, a qual, nunca é boa e nem recomendável; pois, o aborto não é solução, mas apenas um paliativo tópico.

Segundo: Um feto no ventre de uma mulher ainda habita um ambiente no qual o Estado não deveria ter poder de intervenção. É minha opinião que é responsabilidade do Estado legislar sobre os cidadãos nascidos. Porém, até onde vejo, é desnecessário e arbitrário que o Estado tenha poderes de intervir no que acontece no ventre de uma mulher. Assim, é minha opinião que o aborto não deveria figurar como crime, e nem tampouco que tenha no Estado o interventor.

Terceiro: Uma mulher deve ter o direito de decidir sobre o que acontece em seu próprio corpo. E isto deve ser assim independentemente do ocorrido; pois, enquanto o feto habita o ventre da mãe, ele existe num ambiente intimo, e no qual a sociedade não deveria ter poder de arbitrar.

Quarto: É minha opinião que se o Estado deseja ter algo a dizer sobre a questão, ele deveria ter antes que poder oferecer meios de sobrevivência e cuidados em relação ao possível nascimento de uma criança que não é desejada ou não é viável para os pais.

Quinto: O aborto deveria ser algo a ser restrito apenas ao conselho familiar, e, sobretudo, à decisão da mãe (ou dos pais).

Sexto: É minha opinião que toda tentativa de impedir criminalmente o aborto não se justifica; posto que quase que inteiramente a discussão e a criminalização dele advêm de valores religiosos, e não jurídicos em si mesmos. Portanto, como a Constituição determina a separação entre Religião e Estado, seria coerente que a filosofia religiosa se restringisse à capacidade do grupo religioso quanto a conscientizar seus membros como bem desejassem, mas nunca com o reforço criminalizante que procede da intervenção do Estado.

Sétimo: A questão ética relacionada ao aborto, portanto, em minha opinião, nasce antes da questão em si; e, por tal razão, deveria ter na decisão da mãe (ou dos pais) o seu juiz humano — e mais ninguém.

Esta é minha opinião, obviamente sem entrar nos detalhamentos dessas linhas mestras que orientam o meu discernimento, conforme acima exposto.
Creio que do ponto de vista psicológico estas seriam as medidas mais sadias; e isto considerando também que a intervenção do Estado (sob forte influencia de grupos religiosos) — apenas cria a ambiência do crime e da culpa; os quais são extremamente danosos para a alma.
Digo isto porque vejo que o aborto não é algo geralmente premeditado, pois, não há naturalmente pessoas que o tratem com tranqüilidade ou como coisa de somenos.
Desse modo, julgo que fazer de algo que é pertinente ao ambiente do ventre de uma mulher, uma coisa que sem mais nem menos passa a ter o arbítrio criminalizante do Estado — um ato de arbítrio impertinente.
Ética é uma palavra que se deriva do grego ethos, e que na língua original se faz associar com a criação de uma cobertura para a vida. Ética é o telhado que torna a vida possível. Neste caso, não apenas a vida do feto, mas, antes dele, a vida também da mãe. E tal decisão não deve estar sob o arbítrio e nem sob o peso de legislações escritas sob a tutela moral da Religião.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Opinião não somente de uma operadora do direito, mas sobretudo de uma MULHER!!!
    Com relação aos seus comentários sobre aborto, acho que são extremamente pertinentes.

    O Estado ao tipificar o aborto como crime, quis em parte preservar a gestante e o DIREITO à VIDA (um dos príncipios fundamentais previstos na CR/88) do feto. É sabido que no Brasil, isso vem arraigado de um contexto religioso, que faz muita pressão sobre o Estado.
    Evidente, também, que pretende-se evitar que o aborto se torne um método contraceptivo, pois sabemos que no país que vivemos muitas pessoas não tem o discernimento necessário para perceber que o aborto não deve ser "feito por fazer" (por ex. há mulheres que abortam por abortar, não se previnem e abortam quantas vezes desejarem...).

    Acho que o que deveria ocorrer é justamente o que vc mencionou no texto, uma maior preocupação com campanhas que sensibilizassem a população... que houvesse melhor orientação e esclarecimentos!!!

    Somente quem passa pelo conflito ético que vc suscitou, é que deve saber o qto é difícil passar por tal situação e não ter o direito de escolha (salvo duas exceçoes prevista no CP)...

    Acho que a lei deve deixar que a gestante tenha a FACULDADE, ou seja, a escolha para tomar a atitude condizente com a sua realidade.
    Eu, particularmente, não faria o aborto, devido aos meus valores, mas reafirmo que esta deve ser uma escolha da mulher e não do Estado interferindo no livre arbítrio do cidadão! Afinal isso refere um princípio que também é basilar da nossa CR/88, que é o da liberdade!

    Uma criança deve ser desejada em seu lar.
    É por isso, que o número de infanticídios acabam aumentando tbm...
    Uma bola de neve que precisa ser revista pelos nossos legisladores, afinal de contas o Código Penal Brasileiro da década de 1940... ou seja, está precisando ser revisto em vários pontos, pois a sociedade evoluiu e alguns crimes tipificados precisam ser reavaliados e, se for o caso, serem aboliddos do nosso ordenamento jurídico.

    Abraços.
    Laura Ribeiro

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